8 motivos para vivenciar e valorizar trabalhos manuais
- Isabel Machado Farias
- 11 de dez. de 2022
- 6 min de leitura
Post original: Karen Bazzeo, no Dolorez e Eu
A desvalorização da mão de obra, especialmente no Brasil, sempre foi algo que me chamou muita atenção, tanto em trabalhos desenvolvidos dentro de empresas para qual trabalhei até trabalhos que desenvolvo atualmente com o Dolorez Crochez. A minha área não é exatamente com venda de produtos e sim com a área mais artística. Mesmo assim, nesse meio, vivenciei muitas recusas e olhos arregalados ao passar orçamentos por aí. Também percebi que muitas pessoas com trabalhos incríveis, acabam abaixando seu valor para se adequar a um mercado que não tem essa consciência de valorização. A partir daí, resolvi escrever um pouquinho sobre isso e sobre como é importante vivenciar esses trabalhos manuais, valorizar essa mão de obra e entender os benefícios que eles podem trazer emocional e profissionalmente.
Depois de um “boom”, especialmente em São Paulo, onde soava até bonito falar que fazia hora extra, onde era status trabalhar adoidado numa agência e seu trabalho não ser reconhecido, finalmente as pessoas começaram a entender e questionar um pouquinho mais seus hábitos, suas maneiras de trabalhar, de viver, consumir, etc. Percebi também uma grande onda de pessoas retomando o prazer em exercer atividades manuais.
Por isso, pra fazer esse post, fiz uma listinha com pessoas do meu Facebook pessoal e do Dolorez Crochez que trabalham ou têm alguma ligação com trabalhos artesanais. A partir daí, fiz a mesma pergunta para 9 pessoas: “Por que o trabalho manual deve ser valorizado/vivenciado?”. As respostas foram incríveis e acabei fazendo desse post, um post colaborativo! (Observação: foquei no trabalho manual e autônomo por identificação, mas claro, serve para todas as áreas!)
1. Promove desenvolvimento social
Em meio a processos industrializados e da produção em massa, exercer um trabalho manual e independente pode sim promover o desenvolvimento social. Os artesãos passam a comercializar de forma autônoma, criando uma independência e liberdade em relação a empregos tradicionais, fazendo desse trabalho uma fonte de renda pessoal. Dessa maneira, o comércio vai se modificando, sendo novamente moldado por uma forma diferente de trabalho, que foi derrubada pela indústria.
“Temos notado um crescimento constante do pequeno empreendedor e dos trabalhos manuais nos últimos anos.[…] o artesanato é importante para a área econômica, já que movimenta o comércio local e promove desenvolvimento social” (Renata Dania, que faz lindos bordados no Clube do Bordado.)
2. Valor imaterial
Quando voltei a fazer crochê, alguns pensamentos que iam e vinham na minha cabeça durante o processo de produção me chamaram muita atenção. Percebi que meu corpo e minha mente movimentavam uma energia forte e grandiosa naquele momento. E é essa energia que me faz produzir e criar. Eu acredito que é ela que faz com que os trabalhos tenham sua personalidade e autenticidade, do mesmo modo que acontece com outros artesãos, cada um a sua maneira: “pra mim uma das coisas mais legais que existe no trabalho manual é o encapsular pensamentos, você está ali, tramando tudo aquilo enquanto se passa mil coisas na cabeça. Já consegui resolver problemas só de pensar enquanto fazia um bordado. Já bordei uma camiseta, infelizmente, com um pensamento negativo e foi o único produto que sobrou na minha banquinha. Depois disso, aprendi que o trabalho manual também carrega uma energia sua e por isso amo e valorizo esse trabalho” (Kareen Sayuri, diretora de arte, também faz bordados e amigurumis fofíssimos!).
A Nara Coló do Coletivo meiofio, que faz intervenções de crochê pelas ruas de São Paulo, também comentou um pouquinho sobre isso: “Fazer trabalhos manuais, quaisquer que os sejam – crochê, bordado, desenho, pintura, marcenaria etc – te tira do imediatismo e traz para um tempo mais lento, além de nos reconectar com o processo de produção de uma peça do começo ao fim. Isso traz quietude e valorização pelo tempo e do que fazemos”.
3. Mudança na cadeia de consumo
Felizmente, nos dias atuais, as pessoas estão cada vez mais questionando sua maneira de viver. Isso inclui alimentação (de onde o alimento que você come vem? será que ele realmente é saudável?), prática de exercícios físicos, introspecção (silêncio, meditação), questionamentos pessoais e profissionais (você trabalha com o que acredita mesmo?) e por aí vai. No meio disso tudo, também vem as questões sobre os produtos que compramos em geral, roupas, perfumes, objetos decorativos, etc.
Essa mente questionadora é muito importante hoje em dia. Não sabemos mais distinguir o que e a quem afetam a compra desses produtos, nem de que maneira ele foi produzido, em que contexto, situações, se houve trabalho escravo ou não, etc. Comprar de um artesão é ter a proximidade com o trabalho, saber de onde ele vem, saber que não houve nenhum tipo de “trapaças” no meio desse processo: “[…] pelo menos no meio em que eu vivo, muita gente começou a se questionar sobre as cadeias de consumo e se assustou muito com o que viu, por isso resolveram começar a prestar mais atenção de onde vem o que consome/compra” (Sofia Ramos, produz peças maravilhosas de cerâmica – de chorar! – do Olive Cerâmica).
4. Exclusividade
Resposta de praticamente todas as meninas que participaram da pesquisa. Cada pessoa faz seu trabalho de uma maneira, assim como cada ilustrador tem seu traço, é impossível fazer um trabalho idêntico ao outro. A exclusividade nos produtos feito a mão, é incontestavelmente um dos principais motivos para se valorizar a mão de obra, afinal nunca haverá um trabalho igual ao que você tem, proporcionando diferentes peças e espaço para todos no mercado, diminuindo a competição e concorrência. “[é importante] por ser muito mais pensado, personalizado, não aquela coisa feita em série. […] Trabalho artesanal é arte e tão mais elaborado quanto o que as máquinas fazem…” (Carol Brito, que faz doces deliciosamente deliciosos do Feito com Afeto).
5. Promove o bem estar e a saúde mental
Muitos estudos já foram realizados a respeito dos benefícios do trabalho manual. Há pouquinho tempo, saiu uma matéria super legal (essa aqui!) com dados estatísticos falando sobre esse bem estar, incluindo que a prática de atividades como bordar e tricotar, induzem a um estado de relaxamento similar a meditação e yoga (Herbert Benson, cardiologista e professor da Harvard). Sabe-se também que habilidades motoras podem combater a ansiedade, stress e depressão, além de trazer foco e consciência para o momento presente. “Os valores imateriais que estão envolvidos em cada parte do processo também devem e tem sido valorizados, como oportunidade de se desligar da rotina atribulada e melhorar a saúde mental através das artes manuais” (Renata Dania, do Clube do Bordado).
6. Qualidade
Como foi falado no item 4, a exclusividade é um dos pontos principais do trabalho manual. Além dele, existe a possibilidade de entendermos melhor se aquele produto de fato, tem qualidade ou não e seu valor. Os produtos feito a mão, normalmente são feitos em menor escala e com muito mais cuidado, ao contrário do que ocorre com os produtos industrializados, feitos em grande escala, mão de obra terceirizada e matéria bruta sem qualidade ou de origem duvidosa. A Sheila, que produz peças com madeira no She and Wood comentou um pouco sobre isso: “muitos processos estão se perdendo, e cada vez mais as indústrias cobram muito por um produto cada vez mais sem qualidade, e nesse cenário nós ficamos sem opção e sem escolha do que trocar, do que ter e do que produzir”.
7. Liberdade e satisfação pessoal
Na medida em que o artesão autônomo se identifica e é reconhecido pelo seu trabalho, naturalmente, sua produção rende mais e seus trabalhos tem mais qualidade. Essa satisfação pessoal acaba gerando pessoas mais produtivas. Esse tipo de pensamento deveria haver em muitas empresas, especialmente empresas que se auto intitulam com sistema moderno e que (na teoria) propõe mais liberdade ao funcionário. A Nat Petry tem um ateliê com peças incríveis de crochê (sem contar no gatinho fofo que participa das fotos!) e falou um pouquinho sobre isso: “Enquanto produtos da indústria, produzidos em grande escala são feitos por funcionários infelizes com seus trabalhos (por inúmeros motivos), que só aumentam o stress, o artesão se sente realizado a cada peça terminada. […] Então quanto mais valorizarmos o trabalho artesanal, teremos mais pessoas felizes e satisfeitas com o seu trabalho”.
8. Preservar a cultura
O artesanato no mundo todo e, especialmente no Brasil, é cultural, faz parte de um contexto de herança familiar. A maioria das pessoas que converso sobre técnicas manuais sempre me contam que aprenderam com seus pais e avós, ou que tem algum tipo de lembrança afetiva relacionada. Com a efemeridade dos processos e relações dos dias atuais, é importante preservar certas tradições, sobretudo quando se fala de algo tão profundo e significativo na vida pessoal e afetiva das pessoas: “[…] a cultura, as histórias de como cada pessoa passou a fazer tal trabalho feito a mão, fora todo o carinho com que ela o faz. Vejo o trabalho feito a mão como um carinho, um ensinamento passado de pessoa para pessoa.” (Beatriz Midon, editora de arte, se arrisca em desenhos, colagens, técnicas manuais em geral e lindos bordados!).
A Cris Bertoluci, professora talentosíssima de tricô e crochê também falou sobre a importância da preservação dessa arte: “O trabalho manual é uma história materializada, contendo tradições e heranças familiares e culturais. Cada trabalho manual contém uma história pessoal, com pensamentos, erros e pontos únicos, uma exclusividade acessível para poucos.”
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